Depois de eu batalhar por mais de dez anos, consegui
finalmente construir uma casa digna para morar. Essa casa foi construída com
muito esforço, sacrifício e a perseguição de um sonho. Tive ajuda de muitas
pessoas, mas eu precisei manter o sonho aquecido. Construída, resolvi fazer uma
festa para meus amigos e parentes. Nessa casa eu descanso, crio meus novos
ideais, sonho, me alimento, me banho, me estabeleço.
Não digo que mensalmente faço festas, mas quando faço,
sempre é uma alegria tremenda e meus amigos e parentes sempre compartilham
comigo dessa felicidade.
Numa dessas festas, no entanto, entraram bandidos. Eles se
infiltraram como pessoas boas, mas não eram. Acabaram estragando boa parte da
festa, roubaram alguns objetos da casa, pixaram algumas paredes, rasgaram o
sofá, levaram um televisor. Não foi um dia bacana.
O que você acha que eu devo fazer? Arrumar a casa inteira
novamente, deixa-la bela e convidar amigos novamente para a próxima festa ou
devo simplesmente abandoná-la no período de festas e deixar que esses estranhos
bandidos façam tudo isso de novo? Devo aumentar a segurança do meu lar ou devo
abrir as portas e ir pra praia quando souber que essa gente má vem para cá?
Não parece óbvia a resposta? Não sei exatamente o que você
faria, eu prefiro arrumar essa casa que deu tanto trabalho para construir do
que abandona-la para gente que não dá valor para o trabalho e o
desenvolvimento.
Fico pensando se não é isso que acontece com a Igreja na
época de Carnaval.
Eu cresci doutrinado para entender que o Carnaval, essa
época festiva, é uma coisa ruim e demoníaca. Momento onde a sexualidade,
prostituição, tráfico de drogas são exaltados. Morando no Sul do país, sempre
tive a visão de que Carnaval era algo do capeta.
Aí, um dia fui para o Rio de Janeiro justamente nessa época.
Sério, eu achei que iria encontrar pessoas fazendo baixarias no meio da rua,
gente se drogando o tempo todo, mulheres vestidas apenas de purpurina a lá Globeleza. Para a minha surpresa,
nada disso.
Eu me despi da minha religiosidade, dessa imagem construída por
quase trinta anos e pude ter outra ideia do que é o Carnaval. Vários blocos em
diversas ruas pulando alegres. Pessoas vestidas com um colar havaiano e isso já
era suficiente para a fantasia, o resto da roupa normal de andar na rua. Gente
brincando alegre. Vi que o Brasil é um país festivo, alegre, cheio de cor e de
som, de energia. E eu fiquei imaginando tudo isso sendo resgatado para o
próprio Deus.
Não estou falando que não acontece prostituição, drogas e
outras coisas realmente ruins. Mas não é só isso que acontece, tem muita coisa
boa que acontece, mas que apagamos por conta das coisas que não são boas, que
são distorcidas, roubadas, destruídas, situações que mostram a condição da
natureza humana caída.
O que tenho visto, é uma comparação com o início desse
texto. Há pessoas que tem um sonho bom, constroem um ideal, uma cultura, uma
coisa realmente bela. Vem outras pessoas com o coração contaminado e estragam
tudo o que foi construído. E o que as igrejas tem feito (ou muitas delas)? Tem
abandonado sua própria cidade, fugindo para retiros nessa época ‘pecaminosa e
demoníaca’. Ora, o demônio e o pecado não se instalam senão por meio do ser
humano. E as pessoas que julgam ter “A Verdade”
fogem de estarem influenciando, de estarem sendo a luz no meio da escuridão.
Não me entenda mal – o retiro é algo realmente bom e
importante para qualquer cristão – é um momento onde temos tempos a sós com
Deus, que conhecemos gente nova, que estamos nos separando por um período para
louvar a Deus, ter comunhão, estudo da Palavra e por que não diversão também?
Mas acredito que outros períodos poderiam ser utilizados para isso, como os
feriados de setembro, novembro ou outros tantos que temos.
Também não tenho vontade de ver o Carnaval transformado em
eventos “Gospels”, acho que a cultura Gospel, me perdoem, é ainda muito pobre
em diversos aspectos, justamente por que as pessoas abandonam qualquer coisa
que tenha gente influenciando negativamente. Bem, vejam a Marcha para Jesus por
exemplo – é um evento muito bacana, pessoas se unindo para adorar a Deus,
marchar pela cidade com alegria e louvor, algo que o povo brasileiro sabe fazer
muito bem. Aí entram pessoas com o coração distorcido se aproveitando desse
evento para promover sua própria igreja, sendo exclusivista e excludente,
politicagens, etc. então muita gente cristã começa a desgostar do evento por
ter pessoas ali com o coração distorcido e simplesmente abandona a Marcha, não
só isso, como promove a difamação do mesmo.
Jesus nunca nos tirou do mundo, apenas pediu que nos
livrasse do mal, mas vivemos no mundo. Não somos feitos para criar uma colônia
espacial só de evangélicos, um monastério ou qualquer coisa do gênero. Temos
que nos preparar e nos fortalecer da Palavra para influenciar com a Luz de Cristo.
Temos que trabalhar arduamente nas áreas de influência e a Cultura e Arte
certamente é uma área de influência poderosa.
Enquanto abandonamos o Carnaval, deixamos todo o tipo de
coisas ruins discipular a nação inteira. Somos omissos, medrosos, covardes.
Temos que mudar isso! Temos que agir como Jesus que não veio para curar os
sãos, veio para os doentes, para os pobres – aumente a perspectiva dessas
palavras – os doentes de espírito, pobres da presença de Deus!
Acho que a igreja evangélica não está preparada para ler
isso, mas eu creio que devemos participar do Carnaval fazendo a diferença.
Forte isso? Sim! Porque somos doutrinados desde a infância para entender que o
Carnaval é do Diabo. Mas Cristo tem poder para resgatar todas as coisas, e
somos seus embaixadores. O Diabo não é dono da alegria, da festividade, mas ele
certamente, através de pessoas, usa essas coisas para discipular seus
ensinamentos malditos.
Deveríamos fazer festas com a unidade das igrejas, fazer
algo realmente maravilhoso. Fazer com que as pessoas olhem para as igrejas como
um lugar onde há festa, há alegria, fazer com que as pessoas vejam que não é
errado ser feliz e ser cristão ao mesmo tempo. Que devemos sim renunciar as práticas
do pecado, mas nem por isso sermos seres monopolizados e infelizes. Temos que
deixar que a diversidade que Deus colocou em cada ser transpareça para
glorificar ao nome de Deus.
Imagina a Sapucaí, com seus carros alegóricos, roupas
festivas, danças, músicas entregando tudo isso a Deus? Claro que não teria o
culto ao sexo e ao corpo como é hoje, e é assim porque a natureza do homem é
caída, mas pode ser resgatada pelo poder da Cruz, ou não? Claro que sim! Esse
evento é tão artístico quanto um Cirque du Soleil. E a arte é a expressão da
graça de Deus no ser humano, que consegue se expressar e impressionar os seus
iguais.
Eu sei, estou sendo utópico. O mal vai continuar querendo
encontrar os seus lugares para frutificar. O homem vai deixar o mal se enraizar
e vai produzir todo o tipo de trevas. Mas é por isso que devemos abandonar o
homem para si? Devemos deixar o homem destruir a cidade e depois voltaremos
para ela simplesmente catando os caquinhos de almas perdidas? Não. Devemos nos
posicionar, falar do amor de Cristo, viver o amor de Cristo, deixar que Cristo
viva em nós e transparecer com nossas atitudes.
Esse texto e ideia vão desagradar. Quem não é
cristão, vai odiar, achando que eu tenho vontade de ver um carnaval empobrecido
ou extinto. Quem é evangélico vai achar que estou querendo misturar trevas com
luz, que eu estou com um pensamento maligno. Tenho certeza que poucos
concordarão comigo. Mas não estou aqui para receber o acordo de todos, nem
conquistar fãs, mas para falar que Deus quer que sejamos humanos com a natureza
resgatada, e entreguemos as maravilhas para Ele, sem perder a originalidade e
arte.